Vivemos um momento de reflexão. Muitos questionam sobre o andamento do mercado imobiliário brasileiro. Um grupo gera uma linha de pensamento com bases pessimistas e apocalípticas, outro grupo prefere acreditar que não existe nada de errado, que a crise é para os incrédulos e fracos. Não me adéquo aos padrões supramencionados. Trabalho na ala realista, cujo propósito é encarar a realidade e buscar soluções plausíveis para o sucesso. Para tal é necessário que se abra discussões nos pontos mais frágeis da situação atual.
De fato, nos últimos meses, nossa realidade recebeu cargas pesadas de desastre político e incertezas econômicas, cujo resultado é um mau humor da sociedade perante a realização de novos negócios. Existe um sentimento de insegurança financeira que leva boa parte da população a aguardar por novos ares. Toda crise possui tal comportamento e não se trata de um padrão único nacional. É certo que a dificuldade transparece sempre quando alguma crise, alheia aos meandros do negócio, brota de forma negativa no cenário econômico. No caso do setor imobiliário floresceu um problema que deve ser pensado e analisado por todos que atuam no ramo: O Distrato.
Embora a desistência do negócio seja um escape de problemas futuros que porventura o cliente possa apresentar, sua realização gera frustração e insegurança às incorporadoras.
Analisando o negócio imobiliário, a venda de imóveis na planta é uma realização puramente tupiniquim. Outros mercados podem até oferecer tal modalidade, porém em número restrito. No mundo, é comum o incorporador obter o financiamento de todo o dinheiro necessário para se construir um empreendimento, e somente após sua conclusão, efetuar a venda de suas unidades autônomas. No Brasil, devido à política restrita de concessão de financiamento e empréstimos torna-se impossível seguir qualquer padrão internacional. Logo, a moda brasileira, vendemos unidades na planta, e os compradores tornam-se co-investidores da empreitada junto aos bancos e ainda pagam um percentual pequeno da obra durante a sua construção.
Habitualmente, os bancos realizam a análise do empreendimento através da quantidade de unidades vendidas, capacidade de pagamento da incorporadora e da viabilidade do próprio investimento. A operação perfeita de uma incorporação seria o repasse de todos os clientes que optaram em financiar o saldo devedor às instituições financeiras, e em contrapartida, a incorporadora receberia o valor a vista dos bancos abrindo caminho para novos negócios e/ou quitação de dívidas. Mas, infelizmente, a realidade mostra-se diferente. O fator crise e diversos outros pontos esquecidos ou ignorados nos últimos anos vem alimentando a quantidade de distratos. Vejamos uma lista de fatores que contribuíram para esse estágio:
- A incerteza do cenário econômico. O desânimo psicológico em se prosseguir com o negócio em tempos difíceis faz florescer sentimentos primitivos de sobrevivência. O investidor prefere desistir do negócio do que apostar em sua consecução e sucesso. Literalmente, para esse grupo, é mais fácil sair do que aguardar por momentos menos tortuosos.
- Alteração das regras de concessão de crédito. Nos últimos meses enfrentamos uma enxurrada de notícias que alteraram consecutivamente as linhas de financiamento imobiliário. Os principais causadores das mudanças são a escassez de recursos da poupança e o aumento da taxa Selic. O uso indiscriminado do SFH (Sistema Financeiro de Habitação) e uma combinação de aumento da taxa Selic resultou no colapso do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) com a fuga de bilhões de reais de aplicações da poupança. O resultado imediato foi a queda do percentual de financiamento, bem como a readequação da taxa de juros. Essa volatilidade creditícia influencia diretamente no repasse do saldo devedor: o cliente fica habilitado a financiar um valor menor e por um preço mais caro, o que motiva a desistência contratual.
- Falha em análises de crédito. Quase um terço dos brasileiros que tentaram comprar a casa própria em 2014 teve de abandonar o projeto pela metade. Até 30% dos contratos de compra e venda de imóveis na planta foram rescindidos no ano passado, segundo a Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH). Com a finalidade de alavancar novos negócios ou garantir simplesmente a construção do mesmo, diversas incorporadora, em sua maioria detentora de ações em bolsa de valores, conduziram de forma imprudente a análise de crédito de milhares de clientes com o intuito de somar vendas aos seus demonstrativos. O resultado no futuro não poderia ser diferente: o distrato. Durante a obra o cliente arcaria com pagamentos de valores reduzidos, entretanto, após o habite-se, o mesmo seria inabilitado em financiar o saldo devedor junto a uma instituição financeira em virtude de sua incapacidade de renda ou até mesmo documental.
- Taxas, registros e diferença do saldo devedor pagos na entrega das chaves. No término da construção, em consequência repasse do cliente para uma instituição financeira, o mesmo se obriga a pagar os custos de ITBI (Imposto de transferência de bens imóveis) e o registro da escritura definitiva, bem como quitar a correção do saldo devedor junto a incorporadora. Os custos tornam-se altos uma vez que o cliente começa a pagar cotas condominiais e/ou providenciar sua mudança para o novo imóvel, o que estimula em muitos casos a rescisão.
- Disparidade na avaliação do imóvel. Pode haver discordância entre o valor estipulado pelo banco, baseado numa avaliação própria, e o valor estipulado pela incorporadora, firmado anteriormente com o consumidor. O cliente pode solicitar ao banco uma nova avaliação do imóvel, numa tentativa de obter um novo valor que se equipare àquele determinado pela incorporadora. Entretanto os bancos cobram por esse serviço, em torno de R$ 2.500,00, e nada garante que a revisão será feita para cima ou para baixo.
- Alto percentual a ser devolvido no distrato ao cliente. Desfazer o negócio a qualquer momento anterior ao financiamento é um direito do comprador e, pela jurisprudência existente, cabe à incorporadora devolver de 85% a 90% do que o cliente pagou a ela. Os valores devem ser corrigidos monetariamente e devolvidos em uma única parcela. Uma perda de 10% a 15% do valor pago pode ser salutar para o cliente, e, em muitos casos, incentiva a desistência do imóvel na planta. Enfim, perder de 10% a 15% de aproximadamente 20% do valor pago do imóvel até aquela data, não é muito.
Alternativas e soluções
A desistência da promessa de compra e venda tem deixado muitas incorporadoras com dor de cabeça. É um problema novo no setor e deve ser largamente enfrentado e discutido. Então, o que fazer?
- Um caminho seria firmar uma pré-proposta de financiamento com o banco no momento da assinatura do contrato com a incorporadora, o que diminuiria as chances de o consumidor ficar sem crédito na hora do repasse. Como existe em imóveis de baixa renda.
- Também é necessário penalizar mais o cliente em caso de desistência. Rescindir um contrato após a conclusão do imóvel não pode representar apenas 10% a 15% de perda. Esse percentual baixo incentiva a desistência contratual.
- É necessário que as prefeituras também possibilitem o parcelamento do ITBI. O pagamento de taxa única em torno de 2% a 4%, dependendo do município, impossibilita sua quitação e em muitos causos resulta em desistência.
- Existe a necessidade que as incorporadoras negociem com o cliente uma forma suave de pagamento da atualização do saldo devedor ou diferença da avaliação do imóvel.
- Aumento do rigor nas análises de crédito, evitando criar problemas futuros.
- Em virtude da restrição creditícia, as incorporadoras terão que abrir tabela de financiamento próprio. Essa possibilidade já existe porém é timidamente usada, pois a empresa tornar-se-á órgão financiador. Por outro lado, a financiamento através da incorporadora possibilita a venda do imóvel, diminuindo o seu estoque.
Se há males que vêm para o bem, o momento atual pode ser a oportunidade para o setor imobiliário buscar alternativas mais seguras e atraentes tanto para quem vende quanto para quem compra.


