Não tardará muito para que algum cineasta reproduza nas telas o alvoroço do mercado imobiliário brasileiro da última década. Aliás, se fosse compará-la a algum filme citaria algumas cenas de histeria e ambição de “O Lobo de Wall Street”, e a audácia de “A Grande Aposta”, porém o nosso “grand finale” seria bem diferente.
A percepção dos espectadores que souberam apenas de certos acontecimentos do período, está muito longe do que foi a nossa realidade. Nos últimos 15 anos, vivi intensamente o jogo financeiro e econômico travado no setor. Tive que conviver com situações amargas e aceitar decisões impostas por um ramo que crescia de forma arrogante e sem diretriz. Sem dúvida, qualquer mercado do País possui suas particularidades e histórias, mas o que aconteceu no setor imobiliário ultrapassa a compreensão de muitas pessoas.
Uma das dúvidas de nosso mercado é saber quem saiu ganhando depois de toda essa tempestade. Recebo muitas mensagens que condenam a especulação travada por incorporadores e construtores, bem como a exaltação dos corretores de imóveis. Com certeza, foram 2 figuras importantes no crescimento do setor, mas não tiveram o seu mérito prolongado até os dias atuais. Por outro lado, o boom imobiliário criou uma nova classe, um grupo distinto que teve seus ganhos e estabilidades mantidas, chamada de Barões Imobiliários.
Os Incorporadores
Com as condições atuais de mercado, centenas de incorporadores encontram-se próximos de encerrarem suas atividades. A bolha dos distratos, a escassez de crédito, o aumento da taxa de juros e a própria crise ajudaram a sepultar o sonho de empreender no negócio imobiliário.
Na construção civil traçar estratégias é um dos pilares para o sucesso. Nos últimos anos, conheci diversas empresas e em quase todas encontrei um erro gravíssimo: a falta de gestão. A necessidade de se alimentar um mercado em fúria traduziu-se na aquisição de pessoal sem preparo e experiência. Diferentemente de outros ramos pré-estabelecidos do mercado aberto, a nova leva de contratados incluía pessoas com pouca ou nenhuma noção da tradicional compra, venda e construção de imóveis. Foram jogados num mercado lotado de burocracias, detalhes, minúcias e particularidades. A carência de conhecimento em todos os setores de diversas empresas resultaram em uma alavancagem desmedida, atraso em obras, milhares de processos judiciais, um percentual altíssimo de rescisões e estoque de imóveis de bilhões de reais.
É certo que algumas empresas tentaram se organizar e conseguiram passar com honra por esse momento único no mercado, mas por outro lado muitas estão fadadas ao descontrole administrativo e futura extinção.
Os Corretores de imóveis
Outro ramo que pereceu às dificuldades atuais foi o da corretagem. Na última década, houve a fabricação de em série de novos corretores. Quanto mais negócios a imobiliária produzia, mais corretores a empresa necessitava.
“Profissão do momento!” “Mude de vida!” “O sangue das imobiliárias tem poder!” Não é auto-ajuda, muito menos comunicado de Igreja, eram anúncios de imobiliárias durante o boom imobiliário que acontecia. Era praxe, há alguns anos, encontrar diversos anúncios de vagas para novos corretores neste padrão. Tão rápido quanto a nova leva de negócios imobiliários, foi a contratação de novos corretores. A necessidade de se alimentar um mercado em transe traduziu-se na contaminação da profissão do intermediador de venda.
Diferentemente da classe que se tentava manter no passado, a nova leva de contratados contava com pessoas que não tinha sequer a noção básica de compra e venda de imóveis. Devido a carência de tempo para preparação profissional, a qualidade de opinião e consultoria despencaram. Não havia noção sobre financiamento, documentação e legislação. Os novos corretores, que sonhavam com o longínquo “El Dorado”, eram alistados e literalmente jogados num mercado de burocracias, minúcias e particularidades.
Com o desaquecimento do mercado, se iniciou a debandada dos corretores, o que já era esperado. Naturalmente, o futuro reserva espaço apenas para trabalhadores que se especializaram na profissão. Aqueles que entraram para buscar tão somente o “El Dorado”, ou foram fisgados por uma realidade midiática de dinheiro fácil, retornarão aos seus ofícios ou buscarão novas oportunidades. Restarão apenas os mais estruturados e conhecedores, como sempre foi a profissão de corretor de imóveis.
Os Barões imobiliários
Esqueçam os incorporadores e os corretores de imóveis, pois esses apenas achavam que usufruíam do novo padrão imobiliário nacional. A história mostrou que não passaram de meros coadjuvantes. Atualmente, os incorporadores não conseguem pagar as suas contas, e os corretores fogem da profissão. Sem falar nas pequenas imobiliárias que estão sofrendo para manter a equipe ativa e sua empresa aberta.
Mas quem lucrou com tudo isso?
Durante os últimos anos, montei uma tese que reflete exatamente o que vivemos no mercado:
- Durante o boom, a maioria das vendas na planta possuíam a tabela 20%-80% ou 30%-70%, ou seja o primeiro percentual era pago diretamente ao incorporador durante o período da obra, e o restante o incorporador recebia do banco após o repasse do cliente à instituição financeira após o término da obra.
- Teoricamente, havia sempre uma parcela de entrada que girava em torno de 8% do valor do imóvel, podendo variar para mais ou para menos. Após o pagamento da entrada, o cliente se comprometia pelo pagamento do restante durante a obra.
- Após o pagamento da entrada, restava ao cliente um pagamento moderado durante o período de obra, isto é 12% do valor do imóvel (caso o cliente financiasse o pagamento de 20% durante o período de obra) ou 22% (caso o cliente financiasse o pagamento de 30% durante o período de obra).
- Em média, o percentual de 12% ou 22% citados no item acima eram parcelados em 24 ou 36 meses, tempo estimado para a conclusão da obra.
Vamos considerar a venda de um imóvel no valor de R$ 300.000,00 cujo pagamento será efetuado na tabela 20%-80%. De praxe, a corretagem é paga na entrada. Em média, o valor cobrado gira em torno de 5% do valor do imóvel.
a) 8% – Entrada – R$ 24.000,00.
a.1) Comissão – R$ 15.000,00.
a.2) Saldo para o incorporador – R$ 9.000,00.
b) 12% – R$ 36.000,00 divididos em 36 parcelas de R$ 1.000,00.
b.1) Total a ser pago durante o período de obra: R$ 60.000,00.
c) 80% – Saldo devedor a ser quitado após o habite-se – R$ 240.000,00.
c.1) Total a ser pago após o término da obra: R$ 240.000,00.
Do percentual de comissão, em média, 50% é destinado às imobiliárias. O restante é dividido entre o corretor, gerente, diretor ou outro cargo envolvido na venda. Diferentemente do que se fala no mercado, o percentual do corretor de imóveis é baixo e recebido somente na venda do imóvel em que ele está envolvido.
Cabe dizer que a remuneração da imobiliária também é justa e correta. O dono da imobiliária é o responsável direto pelo pagamento das contas recorrentes da operação: aluguel e condomínio das instalações, funcionários, telefone, internet entre outros. É obvio que também precisa ser recompensado pelo esforço empresarial.
O grande dilema da última década foi a concentração de um número excessivo de vendas em pouquíssimas imobiliárias. Formou-se um monopólio de escolhas no setor, concentrando muito poder de venda nas mãos de um número limitado de empresas. É neste ponto que nascem os Barões Imobiliários.
Em virtude da magnitude que o boom imobiliário ganhava, e o volume que se formava, nasceu a expressão “exército de corretores”. O intuito era inchar a máquina imobiliária com o maior número de pessoas. Não importava qualificação, procedência, grau de instrução ou preparação. Era uma forma de convencimento dos incorporadores e construtoras. Fisgava-se o maior número de lançamentos no mercado.
Pensando friamente, se enfrentamos uma batalha e precisamos de força, num primeiro momento escolhemos sempre a equipe maior, independente de sua qualificação. A escolha era pelo maior contingente. Foi desta forma que o mercado de vendas foi conduzido no período do boom. Teoricamente quanto mais “promotores de vendas por telefone” uma imobiliária tivesse, maior seria o resultado para o interessado.
Aliás, a nova estratégia das imobiliárias era mantê-los como um telemarketing pessoal. O corretor deixou de ser o grande intermediador e se torna um mero telefonista. Um paradigma histórico fora quebrado por necessidades temporais e emergenciais. O corretor ligava, oferecia o imóvel para 50 a 100 pessoas por dia, e tentava marcar alguma visita ou agendamento para um futuro lançamento. Caso houvesse interesse por parte do cliente, o gerente assumia a negociação e prosseguia em caso de fechamento.
Imaginem essa operação aos milhares, diuturnamente. Lançamentos em série. Vendas, vendas e mais vendas. Tudo isso concentrado nas mãos de um punhado de imobiliárias. A última década foi responsável pela criação dos grandes Barões do setor.
A responsabilidade do Barão na venda era muito pouca ou nenhuma. Seus corretores realizavam o trabalho de forma massificada. Se o empreendimento lograsse êxito, o resultado seria ótimo para a imobiliária, caso contrário era abandonado ou taxado de “mico” pela própria empresa. O pós-venda não era responsabilidade do Barão Imobiliário. Exemplificando, na bolha dos distratos quem está quebrando são os incorporadores que aceitaram as vendas realizadas pelas imobiliárias no frenesi do lançamento. A pressão era muito forte sobre o setor. Muitas vendas foram concluídas pelo simples interesse de faturar a corretagem. Nunca se pensou na possibilidade do distrato ou na condição financeira do cliente no repasse aos bancos.
Outra tática da época era a venda da parcela de pagamento. Notem no exemplo acima que a parcela durante o período de obra era de R$ 1.000,00. No boom, na euforia, na correria, qualquer um poderia comprar um imóvel com R$ 1.000,00 de mensalidade. Não cabia àquele método de trabalho raciocinar sobre o repasse do cliente à instituição financeira. A jogada era faturar, em apenas um dia, 25% do que o incorporador receberia em 36 meses. Foi o negócio da década! Nunca se ganhou tanto, em tão pouco tempo e de forma industrializada. O que importava era a rotatividade financeira, e não o carinho e atenção ao empreendimento em questão. Na última década, a imobiliária perdeu o crachá de empresa caseira, e transformou-se em uma produtora de vendas em série.
O monopólio de vendas de lançamento formado na última década alimentou uma classe privilegiada. Enquanto os incorporadores quebram e os corretores padecem, os Barões continuam ilesos. Afinal, diminuir a máquina é extremamente fácil: basta dispensar toda uma diretoria com seus gerentes e diretores.
Para finalizar, tais como os grandes conflitos da história e suas convocações em massa, a força de trabalho era formada por vendedores, técnicos, estudantes, professores, desempregados entre outros, isto é nada sabiam sobre mercado imobiliário. Com pouco ou nenhum treinamento, muitos não viram sequer a cor do dinheiro: foram engolidos pela inexperiência ou por grupos fechados de imobiliárias. Alguns mais inteligentes se sobressaíram e conseguiram o seu sustento por um certo período, pouquíssimos usufruíram do sucesso. Por outro lado, existe sempre um grupo que ganha em excesso em detrimento de outros. Afinal, o mundo é de poucos espertos e dos expertos.