A restrição do Câmbio
Na maioria dos países, o mercado de câmbio tem pouco a ver com o imobiliário, mas as propriedades argentinas são negociadas em dólar. Pessoas e empresas precisam da moeda americana para comprar apartamentos, casas e imóveis comerciais.
Em 2014, a Argentina flexibilizou a compra de divisas, que estará limitada a um teto mensal de 2 mil dólares e disponível apenas para trabalhadores, profissionais e pequenos empresários, anunciou o chefe de Gabinete de Ministros, Jorge Capitanich, em uma coletiva de imprensa, mas mesmo assim as medidas são paliativas e não curam um problema endêmico.
– Poderão comprar até 2 mil dólares mensais todos os empregados, trabalhadores independentes e pequenos empresários com renda declarada na Administração Federal de Receitas Públicas (AFIP) – disse Capitanich. Todas as operações deverão ser autorizadas pela AFIP através de um pedido realizado no site da instituição, e a poupança em dólar ficará limitada a 20% da renda total.
Todas as operações deverão ser autorizadas pela AFIP através de um processo em seu site. Esta medida significa que, por exemplo, um trabalhador que ganha 10.000 pesos (1.200 dólares) só poderá comprar 250 dólares mensais para posse ou poupança.
Não poderão adquirir divisas em bancos e casas de câmbio que declarem receitas mensais menores que 7.200 pesos (900 dólares) nem as empresas ou grandes investidores, segundo a regulamentação.
A compra de divisas, proibida desde 2011, sofrerá uma taxa de 20%. O comprador, porém, ficará isento da tributação se depositar os dólares em um banco durante até 365 dias.
O relaxamento do impopular controle cambial, que proibia a compra de dólares para poupança foi anunciado em reação às incertezas geradas por uma dura situação monetária e fiscal no país.
Histórico de desconfiança
A Argentina atravessa uma crise cambial devido à escassez de dólares pela fraqueza das exportações, uma inflação galopante em torno de 30% ao ano, falta de investimento estrangeiro e impossibilidade de se financiar no mercado internacional de capitais, após o calote de 2002. Na ocasião, os argentinos perderam as suas economias guardadas nos bancos.
O contexto levou as classes média e alta a perderem a confiança no peso e investirem em dólar, através de contas bancárias no exterior. As famílias mais modestas conservam dólares em casa. Já no setor imobiliário, os preços são fixados em dólar, embora a transação se finalize com o equivalente em pesos.
A situação do mercado imobiliário em 2015
Há três anos, a argentina Luz Benedit, gerente de reservas de um hotel de luxo de Buenos Aires, decidiu que tinha chegado a hora de se mudar para um apartamento maior. Os 65m² comprados quando se casou ficaram apertados com a chegada de seus dois filhos, hoje com 7 e 5 anos. Mas Luz continua no mesmo apartamento e sem perspectiva de sair de lá em curto prazo. Sua família é uma das tantas vítimas de uma das mais graves crises já enfrentadas pelo setor imobiliário argentino.
Desde que o governo da presidente Cristina Kirchner começou a aplicar restrições para a compra e a venda de dólares, o chamado corralito verde, a atividade das corretoras de Buenos Aires e de outras cidades do país despencou. Em janeiro passado, por exemplo, na capital foram realizadas apenas 1.723 operações, o pior resultado desde janeiro de 2001.
Na Argentina, há décadas os imóveis são comercializados em dólares, e, apesar das fortes restrições aplicadas pelo governo, poucos proprietários estão dispostos a aceitar pesos.
— Para comprar um apartamento de 120m², precisamos de US$ 100 mil para completar o que pedimos pelo nosso, que são US$ 145 mil (02 quartos, no bairro de Belgrano). Para comprar esse dinheiro no mercado paralelo (no oficial é impossível), seria necessário 1,2 milhão de pesos. Ficou muito difícil — contou Luz.
Ela e o marido pensaram na possibilidade de solicitar um crédito bancário, mas a oferta é escassa e representaria uma parcela mensal em torno de 15 mil pesos, quase um salário completo do casal. — Em 03 anos não fizeram sequer uma oferta por nosso apartamento, o mercado está paralisado pelo clima de incerteza — lamentou.
Essa sensação é confirmada pela corretora Luciana Cabanillas, dona da imobiliária Abba Cabanillas, do bairro de Palermo. Depois que o governo aplicou o corralito verde, Luciana foi obrigada a recorrer a outros negócios, como administração de aluguéis, em razão da queda de vendas: — Em Palermo, várias imobiliárias fecharam.
Segundo as imobiliárias, somente proprietários que aceitam baixar o valor de seus imóveis, em média, entre 10% e 15% conseguem vender. Melhor ainda se o comprador puder pagar em moeda local. Portanto, só vendem os que estão apressados e mostram certa flexibilidade na hora de fechar a operação. Isso provocou uma queda no valor das propriedades portenhas. Segundo pesquisa realizada pelo Colégio Único de Corretores da Cidade de Buenos Aires, os imóveis custam cerca de 20% menos do que exemplos similares em cidades como Santiago do Chile, Montevidéu, Rio, São Paulo, Bogotá e Lima. Com US$ 100 mil, afirmou Luciana, é possível comprar um apartamento de 02 quartos em Palermo, um dos melhores bairros da capital. — Antes das restrições, o mesmo apartamento podia estar em torno de US$ 130 mil — aponta a corretora argentina.
Escrituras no menor patamar em 35 anos
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, está ciente da crise imobiliária por que passa o país. Em seu discurso de inauguração das atividades legislativas, em 1º de março, ela avisou: “Já vamos falar sobre créditos hipotecários”.
O ano passado foi dramático. Foram assinadas 33.690 escrituras em Buenos Aires, o nível mais baixo desde 1980. Para os principais corretores da cidade, o corralito verde colocou o mercado imobiliário no freezer.
— Os investidores estrangeiros não querem comprar como antes porque a Argentina deixou de ser um mercado interessante — diz a corretora Luciana Cabanillas.
Para os potenciais compradores de imóvel argentinos, a falta de crédito também não ajuda. Muitos acreditam que a crise só será superada em 2016, se as eleições presidenciais de outubro de 2015 devolverem um pouco de estabilidade ao setor. Na década de 1990, milhões de argentinos compraram imóveis com condições de crédito atraentes, que terminaram custando muito menos depois do fim da paridade entre o dólar e o peso, em 2002. Entre 1994 e 1999, estima-se que os créditos imobiliários representavam cerca de 30% do estoque de créditos do sistema financeiro local. Hoje, esse percentual está na casa dos 17%.
As eleições também vão trazer o tema do câmbio para o centro da discussão. Mauricio Macri, que é prefeito de Buenos Aires e um dos favoritos na corrida presidencial, já afirmou que, se for eleito, deixará o câmbio flutuar livremente e irá extinguir os limites de acesso à moeda.
Dificuldade para mudar
De acordo com a imprensa local, o ministro da Economia, Axel Kicillof, está analisando a possibilidade de exigir dos bancos locais que destinem mais recursos aos crédito imobiliário, nos moldes do sistema que estabeleceu um mínimo de 5% dos depósitos totais de cada instituição para o financiamento à produção, com uma taxa fixa de 19,5% e 36 meses de prazo. No caso do crédito destinado à compra de imóveis, o prazo poderia ser mais longo.
A situação é delicada. Empresários do setor estimam que, atualmente, 06 de cada 10 famílias da classe média argentina querem se mudar e não conseguem, pela falta de crédito e pelas limitações cambiais. Luz Benedit é apenas uma dessas pessoas, mas seu caso se repete em cidades de todo o país.
Fonte – Editorial Resumo Imobiliário e Globo.
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