Um pouco de otimismo é sempre bem-vindo. Torcer por dias melhores faz parte da psicologia humana. Aliás, se não houvesse a esperança, o mundo estaria eternamente envolto à uma sombra negativa. Afinal, rogar por mudança faz parte de nossos instintos mais primitivos, porém pensar como mudar, já é uma diretriz altamente racional. Cabe a nós saber equilibrar as doses de credo e cálculo. Em suma, não basta ser crente, você também precisa participar.
Nos últimos dias, a mídia em geral tem publicado notícias com tendências favoráveis à melhoria do mercado imobiliário. Profundamente torço pela prosperidade das palavras, mas por outro lado há de se realizar uma pesquisa sobre a real situação de nosso ramo. Aqui, no Resumo Imobiliário, não vivemos de especulações, porém de dados concretos. Apenas com a leitura e entendimento desses números conseguiremos a fórmula do sucesso. Só depois disso poderemos festejar ou declarar dias melhores.
Dedicaremos essa pesquisa ao grande motor do mercado imobiliário nos últimos anos, a caderneta de poupança, e ao seu maior vilão, a taxa SELIC.
A poupança como financiadora do mercado imobiliário
O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) foi criado em meados da década de 60, pela Lei nº 4.380, de 1964, no âmbito de uma reformulação geral do Sistema Financeiro Nacional. A primeira fase do SFH, que vai de sua criação até a segunda metade dos anos 70, foi o primeiro período áureo do Sistema. Os depósitos em caderneta de poupança cresceram, chegando a ocupar o primeiro lugar entre os haveres financeiros não monetários. Os recursos do FGTS também expandiram como resultado do aumento do nível de emprego e da massa salarial do país. Em seguida, surgiram as Sociedades de Crédito Imobiliário e as Associações de Poupança e Empréstimo, formando o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), integrado por instituições financeiras especializadas na concessão de financiamentos habitacionais, tendo como fontes de recursos os depósitos em caderneta de poupança e repasses dos recursos do FGTS.
O SBPE tornou-se um dos motores do SFH na década de 2000. Exemplificando a importância do Sistema, desde janeiro de 2005 até junho de 2016, a poupança já financiou a aquisição e construção de 3.831.224 imóveis em todo o País. Aproximadamente 75% dos financiamentos do País são movidos por recursos da caderneta.
Do céu ao inferno
Um dos principais motivos da atração pelos financiamentos através dos recursos da caderneta de poupança, foram o seu estímulo consumidor que fixava uma taxa de juros máxima de 12% ao ano nos contratos regidos pelo SFH, bem como uma política macroeconômica de incentivo de redução da taxa SELIC, chegando ao mínimo histórico de 7,25% ao ano em 2012, o que aumentou significativamente os depósitos na poupança devido a sua rentabilidade diferenciada.
Após a manter um mercado forte e robusto por quase uma década, o sistema começou a sentir os efeitos de mudança já em 2014. Como efeito cascata diversos fatores resultaram na queda drástica de financiamentos no País.
Taxa SELIC
Um dos principais motivos para o aumento da taxa SELIC é a sua forte interferência na economia, principalmente no controle inflacionário e na renda fixa. Por outro lado, uma taxa alta significa sempre poucos investimentos e baixo nível de consumo. A tomada de capital em instituições financeiras torna-se caro, o que reflete diretamente no nível de consumo da sociedade e empreendedorismo. No caso da caderneta de poupança o resultado é drástico.
O aumento da taxa SELIC influenciou severamente nos contratos de financiamento do SBPE. Com o aumento gradual da taxa SELIC nos últimos anos, as taxas de juros dos contratos do SBPE também foram reajustadas, mesmo não havendo relação entre elas. Por lei, as taxas de juros do Sistema Financeiro de Habitação não podem ultrapassar 12% ao ano, mas sempre sofrem o impacto da mudança da economia brasileira. Nos últimos 2 anos, a taxa de juros para financiamento de imóveis até R$ 750 mil já subiu 20%, em média.
Taxa SELIC e poupança
A manutenção da taxa SELIC com percentual elevado acelera a saída de recursos da Poupança. Nos últimos meses, a caderneta se firmou no mercado como um dos piores investimentos. Ao passo que fundos de renda fixa já alcançam uma rentabilidade mensal em torno de 1% ao mês, a poupança está limitada a uma rentabilidade anual de 6,17% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR). O resultado é um rombo sem precedentes. Desde janeiro 2015, a caderneta já perdeu R$ 97,174 bilhões.
A verdade é que, na última década, usufruímos e sugamos todos os recursos disponíveis na poupança. Não houve espaço para levantar possíveis questionamentos da probabilidade de escassez futura. Com o passar do tempo, novos depósitos na caderneta despencaram, ao passo que os saques dispararam. O resultado da saída gigantesca de recursos da caderneta e, em consequência, a exposição da fragilidade do SBPE, forçaram a Caixa Econômica Federal a reduzir o limite de financiamentos com recursos da poupança para compra de imóveis usados de 80% para 50%, em 04 de maio de 2015. O movimento foi seguido por diversos outros bancos que também ajustaram seus percentuais de financiamento.
O mercado ficou altamente viciado na caderneta, mas não souberam mantê-la atrativa. A saída intensa de recursos literalmente congelou o saldo disponível na caderneta.
Queda nos financiamentos
Arrisco dizer que, atualmente, o nosso País passa pela maior escassez de crédito de sua história. A política não sustentável de consumo de crédito levou o Brasil a uma parada brusca na concessão de financiamentos imobiliários. Seguindo os preceitos mais primitivos e extrativistas, e sem a menor precaução, consumimos os recursos da poupança. Nas últimas décadas, o incentivo governamental à formação de novos meios de financiamento foi desprezível, criando, assim, uma forte dependência da caderneta como garantidores da Pátria.
A escassez também se mostra rigorosa nas análises de crédito realizadas por instituições financeiras. Aqueles que usaram o sistema notaram que ser aprovado junto a um banco tornou-se uma tarefa árdua. Com menos crédito para emprestar, extraoficialmente os bancos realizam um filtro em suas análises aceitando somente os clientes que lhes convêm, ou postergando suas decisões de aceite ou recusa até que uma das partes (comprador ou vendedor) desista do negócio.
O resultado foi uma parada brusca nos financiamentos com recursos provenientes da poupança. Diversos fatores levaram o mercado imobiliário brasileiro retroceder a patamares de 2007.
Taxa Referencial – TR
Muitos nem desconfiam que a inflação também contribui de forma negativa para o andamento do mercado de imóveis. Não basta o preço do feijão nas alturas, tem que influenciar no financiamento imobiliário. Neste caso, a culpa é da TR.
Primeiramente vamos ao conceito da Taxa Referencial. A TR é uma taxa de juros de referência, instituída pela Medida Provisória n° 294, de 31 de janeiro de 1991 (posteriormente ratificada através da Lei n° 8.177, de 1º de março de 1991) e integrava um conjunto de medidas de política econômica do Plano Collor II – visando servir como referência para os juros vigentes no Brasil, sendo divulgada diariamente, a fim de evitar que a taxa de juros do mês corrente refletisse a inflação do mês anterior. Era um método de contenção da inflação.
Atualmente a TR é utilizada no cálculo do rendimento de vários investimentos, tais como títulos públicos, caderneta de poupança e outras operações, tais como empréstimos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), pagamentos a prazo e seguros em geral.
Muitos clientes já começam a notar a aparição do poder da TR em seus saldos devedores. Diversas reclamações podem ser encontradas em sites como o Reclame Aqui e em SAC das instituições bancárias. Infelizmente no contrato rezam clausulas de correção da TR e o entendimento do STF é pela sua aplicação. Em contratos mais novos, os bancos já cobram mensalmente a TR de seus clientes, porém em contratos mais antigos o percentual da TR incide mensalmente sobre o saldo devedor, e no final deverá ser quitado com o banco.
O que esperar para o futuro?
O aumento da taxa SELIC deve ser usado como instrumento de contenção de preços em casos específicos, cujas causas são provenientes de um aumento do consumo com a economia em pleno emprego, ou seja, os preços sobem por que há aumento geral da demanda sem um acompanhamento no crescimento da oferta (inflação de demanda). Atualmente, podemos classificar nosso processo como inflação de custo, isto é método inflacionário gerado pelo aumento dos custos de produção: Água, Luz e Combustível. Todos os 3 itens são básicos em todas as camadas produtivas do País: agricultura, serviços, comércio, construção civil, indústria entre outros. É óbvio que o preço dos insumos produzidos por esses setores sofreriam com o aumento de seus custos de produção.
A inflação no Brasil não é por demanda, nem por expectativas, muito menos inercial, que podem ser remediadas pelo aumento da Taxa SELIC. A inflação de 2015 é devido ao custo e deve ser tratada com incentivos governamentais que garantam o equilíbrio do preço até que os fatores externos estejam adequados ao atendimento do mercado. Exemplificando, se o País passa por problemas de carência energética, porque não incentivar pequenos negócios ao uso de energia solar? Por que não retomar o pró-álcool? Literalmente, não existe incentivo financeiro para que a sociedade o faça. É mais fácil e módico que a população pague a conta e aguente o “tranco” através do aumento da taxa SELIC. Resultado: desemprego, recessão, queda do consumo, falta de empreendedorismo, e por fim o encarecimento astronômico dos contratos de financiamento imobiliário com recursos da Poupança.
Após as críticas dos fatos acima mencionados, posso afirmar que a intenção da mídia em geral foi causar um sentimento de esperança, aflorar boas expectativas, cujos resultados são sempre favoráveis à uma retomada da confiança e crescimento econômico. Entretanto, acima de qualquer fé, temos que nos estruturar para que esses novos momentos não sejam movidos por um termômetro gelado. Sem dúvida, o que poderá esquentar o mercado imobiliário, nessa nova fase, é a discussão ampla da redução da taxa SELIC, caso contrário continuaremos parados, estáticos e pessimistas.