Pode parecer mais um título sensacionalista, mas não é. Diariamente recebo informações de construtoras e incorporadoras que estão quebrando em virtude do mal dos distratos. É certo que algumas erraram na realização de seus negócios, porém, a maioria tentou trilhar um caminho favorável ao crescimento sustentável. Infelizmente, todas esbarraram em leis mal formuladas e altamente destrutivas para o setor de imóveis.
A história dos distratos
A venda de imóveis na planta é uma realização puramente tupiniquim. Outros mercados podem até oferecer tal modalidade, porém em número restrito. No mundo, é comum o incorporador obter o financiamento de todo o dinheiro necessário para se construir um empreendimento, e somente após sua conclusão, efetuar a venda de suas unidades autônomas. No Brasil, os bancos realizam a análise do empreendimento através da quantidade de unidades vendidas, capacidade de pagamento da incorporadora e da viabilidade do próprio investimento. A operação perfeita de uma incorporação seria o repasse de todos os clientes que optaram em financiar o saldo devedor às instituições financeiras, e em contrapartida, a incorporadora receberia o valor a vista dos bancos abrindo caminho para novos negócios e/ou quitação de dívidas.
Na prática, o mercado brasileiro cresceu em torno do modelo de venda na planta, entretanto não lutou por leis que o protegeriam em caso de pânico generalizado. Com a crise atual e a incerteza do cenário econômico, o setor seguiu para o “crack” do padrão de vendas da última década. Veio à tona a bolha dos distratos. Todos os compradores que investiram anos atrás, e vinham pagando parte do valor do imóvel durante a construção, simplesmente desistiram do negócio imobiliário. São milhares de adquirentes que incentivaram o crescimento do setor, e posteriormente desistiram, deixando todo o ônus para os incorporadores.
É complexo entender a temática de uma incorporação, pois diversos trâmites foram criados para a sua execução do formato atual. Vamos à pratica:
- A venda – A primeira etapa é a venda de uma unidade. Através de uma promessa de compra e venda o imóvel é prometido ao adquirente.
- Condição da venda – Em contrato constarão cláusulas pertinentes à forma de pagamento. Um dos modelos mais usados foi o pagamento de 30% do valor do imóvel durante o período de obra, e o restante, 70%, no repasse à uma instituição financeira após a emissão da certidão de habite-se.
- O negócio imobiliário – No Brasil, devido à política restrita de concessão de financiamento e empréstimos tornou-se impossível seguir qualquer padrão internacional. Logo, a moda brasileira, se vendia unidades na planta, e os compradores tornaram-se co-investidores da empreitada junto aos bancos e incorporadores. De fato, a assinatura de uma promessa de compra e venda não tornava o cliente apenas o futuro dono da propriedade, mas também “participante” na incorporação. O adquirente afiançava sua compra como garantida, e fornecia ao incorporador o livre arbítrio de negociar pelo empreendimento. Em consequência, recursos eram tomados em bancos em virtude do sucesso da edificação, e claro, com a promessa de repassar aquele cliente pós-habite-se para quitação da dívida.
- A legislação brasileira – Que os advogados e juristas me perdoem, mas o maior erro do período foi considerar a venda de imóvel na planta como relação de consumo. Efetivamente, a relação de consumo seria concluída após a entrega do imóvel. Qualquer movimentação anterior à entrega imobiliária, uma vez que existe uma relação de co-investimento, deveria ser tratada de forma participativa. Por mais que a venda de uma unidade autônoma tenha sido realizada, o consumo não foi concluído. Dado que o entendimento jurídico permitiu a rescisão do comprador durante o período de co-investimento, ou seja da construção, esse costume alimentou a distrato desenfreado.
- Os distratos – Primeiramente, os compradores usavam a clausula frágil da rescisão para ganhar dinheiro no curto prazo. A especulação imobiliária movimentou o mercado de compra e venda de imóveis na planta por muitos anos. Exemplificando, o adquirente rescindia seu contrato em curtíssimo espaço de tempo para obter um ágil em seu negócio. Já que não haviam regras de freio, o setor contratava e distratava numa rapidez inacreditável. Posteriormente, tivemos que lidar com o pior dos pesadelos: a bolha dos distratos. O problema é que, após a rescisão, o empréstimo tomado junto ao banco continuava em nome do incorporador. Logo, se o comprador desistisse da compra antes do repasse ao banco, o incorporador assumiria integralmente o valor que fora absorvido junto à instituição financeira para a construção da fração daquela unidade. Enquanto o adquirente acionava a clausula de relação de consumo e demandava 100% do que foi pago até aquele momento, o incorporador ficava altamente imobilizado e devendo ao banco.
Soluções urgentes
Nossos legisladores precisam entender o risco altíssimo configurado pela tabela de venda de imóveis na planta. Nossas leis estão erradas, e muito erradas. Esse entendimento de que em caso de pânico, o cliente deixa a bomba com a construtora, está totalmente equivocado. Obviamente, a legislação pró-cliente em contratos de compra e venda na planta motivou a alta especulação no setor, uma vez que o risco do negócio foi obrigatoriamente imputado às construtoras.
Certamente, a falta de controle do distrato foi a maior clausula abusiva do setor imobiliário que ajudou a acelerar o colapso do mercado, e se não for alterada, irá quebrar praticamente todas as construtoras do País e, interromper de vez, os serviços satélites que cercam o setor imobiliário. O mercado imobiliário precisa se adaptar urgentemente às seguintes regras:
- Não se trata de relação de consumo até a entrega efetiva do imóvel.
- Por se tratar de uma contratação com compromissos de co-investimentos do incorporador e comprador, o distrato não pode ser ressarcido. Aliás, é incabível o entendimento que o cliente deve receber 100% do que pagou. O correto é que não haja estorno em rescisões, independentemente do motivo.
- O distrato precisa ser penalizado. Visto que o cliente concedeu aval à tomada de empréstimos por parte do incorporador, o mesmo também deverá ser penalizado em caso de desistência. O ônus não pode ser imputado somente ao incorporador. Da mesma forma que existe multa num eventual atraso na entrega do empreendimento, também deve haver penalidades caso o adquirente opte pela rescisão.
Prezados leitores, a situação é gravíssima. Vamos abrir os nossos olhos…