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Quem acompanha o Resumo Imobiliário, sabe que sou um grande entusiasta do ramo. Ao contrário de outros sites de fontes duvidosas, este busca levar a informação de forma fidedigna e transparente. Há muito tempo atuo no mercado imobiliário. Já construí, incorporei, comprei, vendi, enfim participei de todos os trâmites de uma sequência lógica de estruturação imobiliária. Torna-se um comentarista sobre o ramo demandou muito estudo e dedicação. Tenho convicção de minhas palavras em virtude do que vivi e aprendi. Algumas conclusões emanam um sentimento esperançoso, outras nem tanto. Mas o importante é que nós, cabeças pensantes, não paremos nunca de raciocinar sobre a melhor opção de vida e trabalho.
Atestar uma tendência ou convergência demanda análise de dados empíricos, muita disciplina e, acima de tudo, neutralidade de opinião. Formar julgamentos é arriscado, pois pode interferir diretamente no destino dos meu leitores, levando-os a trilhar caminhos que não foram escolhidos por conta própria. Em meus textos, ao invés de simplesmente tecer comentários banais sobre o nosso cotidiano, procuro esclarecer dinâmicas de conclusões, mostrando aos interessados as diferentes nuances do mercado, para que a partir delas, se posicionem em termos de sua própria vontade.
Abordando o assunto principal deste artigo, no dia 27 de abril de 2016, o setor de incorporação assinou o primeiro acordo que regulamenta a cobrança de multa em caso de cancelamento de vendas, os chamados distratos. A regulamentação faz parte de acordo que trata de regras dos contratos de compra e venda de unidades na planta. A nova regra prevê a multa fixa de até 10% sobre o preço do imóvel, além de perda integral do sinal e de até 20% dos demais valores pagos pelo comprador. A incorporadora terá seis meses para devolver os valores a serem ressarcidos, a não ser que a revenda da unidade ocorra em menos tempo.
Com o todo o meu amor pela profissão, e respeito àqueles que lutam nesse mercado, informo muito abatido, que já é tarde demais. Agora não adianta mais. O volume de distratos foi tão grande que as consequências tornaram-se irremediáveis na situação atual.
Mas quem criou o distrato? Quem é o culpado?
Quem criou o distrato foi a ganância, a ambição, a cobiça de se imaginar que o mercado é eternamente especulativo. Todos nós fomos e somos responsáveis por esse momento.
O começo disso tudo foi a sede insaciável de ganhar, ganhar de novo e voltar ganhar. Nosso mercado foi construído nas fundações amadoras de vendas na planta, que, aliás, são deveras ousadas e imponderadas.
Analisando o negócio imobiliário, a venda de imóveis na planta é uma realização puramente tupiniquim. Outros mercados podem até oferecer tal modalidade, porém em número muito restrito. No mundo, é comum o incorporador obter o financiamento de todo o dinheiro necessário para se construir um empreendimento, e somente após sua conclusão, efetuar a venda de suas unidades autônomas. No Brasil, inventamos um modelo próprio. A moda brasileira, vendemos unidades na planta, e os compradores tornam-se co-investidores da empreitada junto aos bancos e ainda pagam um percentual pequeno da obra durante a sua construção.
Lembro-me de uma reunião que tive em 2011 em minha cidade, Rio de Janeiro. Sem citar nomes, estavam presentes grandes incorporadores, empresários, construtores e imobiliárias. A nata do mercado de imóveis. Fiz uma palestra de aproximadamente 15 minutos, sendo 12 minutos dedicados à alta periculosidade de alavancar-se em tabelas de vendas de imóveis na planta, bem como suas consequências através de uma possível crise de distratos. Com poucas exceções, muitos riram de mim. Ninguém acreditou naquele pequeno incorporador que queria instruir grandes águias a “empresariar”. Em certo momento gritaram: “tira esse cara daí e manda ele para a escola”. Humildemente, saí daquela reunião e continuei minha vida seguindo meus preceitos profissionais e comerciais, sem deixar-me abalar por palavras ou frases.
Há 11 meses, em 28 de maio de 2015, dediquei um artigo a questão do distrato. Naquele dia, alertei a todos sobre o poder do distrato, ilustrando toda a sua trajetória: do seu início até suas possíveis consequências, sem deixar de opinar sobre alternativas e soluções.
Há 10 meses, em 16 de junho de 2015, já alertava sobre os dilemas do mercado imobiliário na próxima década. Em certa parte do texto, observei o seguinte: “Recentemente o mercado imobiliário enfrenta os problemas supramencionados [distratos e sustentabilidade do financiamento imobiliário]. São temas novos e nunca antes enfrentados no mercado imobiliário brasileiro. A continuidade do crescimento depende exclusivamente do debate amplo de modelos e conceitos novos. Literalmente, vivíamos numa década perfeita, onde o crédito era fácil e o distrato era raro, porém estamos no meio de uma tempestade perfeita a qual engloba problemas econômicos, políticos e burocráticos que realçam os dilemas enfrentados.”
Na visão da última década, o “investidor” tornou-se um comprador de unidade(s) com um único fim: a especulação imobiliária. A operação de compra visava não apenas o lucro do ramo, mas, sobretudo aos das flutuações de preço dos imóveis. Esse “investidor” adquiria o imóvel sem qualquer conhecimento do ramo. Movido por uma forma de pagamento fácil e convidativa, em consequência da pequena poupança durante o período de obra (em torno de 20% a 30% do valor do imóvel), o “investidor” adquiria diversos imóveis em pouco espaço de tempo. Era uma figura cativa em imobiliárias e em contratos de promessa de compra e venda.
Todos ganhavam! Para corretores e imobiliárias, o resultado foi instantâneo e positivo em curto prazo, uma vez que a venda era realizada e a comissão recebida integralmente pelas partes. Para algumas incorporadoras, essas vendas podres significaram uma gordura em seus balanços, visto que as unidades eram apontadas como vendidas para os seus acionistas. Entretanto, o resultado foi desastroso para o setor.
Com o passar do tempo, os problemas se aprofundaram. A operação perfeita de uma incorporação, que seria o repasse de todos os clientes que optaram em financiar o saldo devedor às instituições financeiras, ruiu.
O problema é que, após o distrato, o empréstimo tomado junto ao banco continua em nome do incorporador. Logo, se o comprador desiste da compra antes do repasse ao banco, o incorporador assume integralmente o valor que fora absorvido junto à instituição financeira para a construção da fração daquela unidade. O incorporador fica altamente imobilizado e devendo ao banco. Imaginem isso aos milhares. Imaginem distratos beirando 60% a 80% de um empreendimento. É o que acontece atualmente.
Infelizmente, em poucos meses, veremos o resultado. Será um acontecimento vultuoso, humilhante e ridículo que ficará marcado para sempre em nossa história empresarial: a quebra de centenas de incorporadoras. Diferente das antigas bolhas que afetaram diretamente àqueles que nela investiram, a presente bolha extinguirá um período de especulação desenfreada e sem lógica com a falências de muitos incorporadores.
Seja bem-vindo à bolha dos distratos.