Vocês já ouviram falar da tempestade perfeita? Pois é, estamos no meio dela.
Diversos fatores influenciaram diretamente para a situação atual, entretanto gostaria apontar 6 itens que, sem dúvida, causaram a desregulação do sistema imobiliário nacional. Sem a retificação destes tópicos, continuaremos à deriva na maré da crise.
É necessário que todo o mercado imobiliário entenda os problemas que nos atingem. Não podemos mais temer a palavra crise. Ou pensamos e buscamos uma saída inteligente, ou continuaremos vivendo de sonhos num mundo perfeito que só existe em seus pensamentos.
1) Taxa SELIC com viés de alta
Sem dúvida a taxa SELIC é um dos termômetros do mercado imobiliário; diretamente para o financiamento imobiliário de imóveis com valores de venda acima de R$ 750 mil (SFI), e indiretamente para os imóveis enquadrados no SFH.
Com o aumento gradual da taxa SELIC nos últimos anos, as taxas de juros do SFH também foram reajustadas, mesmo não havendo relação entre elas. Por lei, as taxas de juros do Sistema Financeiro de Habitação não podem ultrapassar 12% ao ano, mas sempre sofrem o impacto da mudança da economia brasileira. Nos últimos 2 anos, a taxa de juros para financiamento de imóveis até R$ 750 mil já subiu 20%, em média.
Já os juros para os contratos de financiamento do Sistema Financeiro Imobiliário, acumulam alta de 30%.
Sem dúvida, o aumento direto das taxas de juros diminuem a evolução dos contratos de compra e venda.
O Financiamento torna-se uma alternativa cara, e conseqüentemente, diminuem exponencialmente a velocidade do mercado de imóveis.
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2) Poupança esgotada
As cadernetas de poupança são o investimento mais tradicional do Brasil e oferecidas a pessoas físicas e jurídicas por bancos públicos e privados através de contas bancárias chamadas de conta poupança. Dessa forma, os valores depositados na conta poupança são aplicados automaticamente na caderneta de poupança, e possuem liquidez diária e sofrem remunerações mensais de acordo com as determinações feitas pela legislação brasileira.
Ano após ano, a queridinha dos brasileiros não sai de moda. Dezenas de gerações depositaram seus recursos na poupança e ajudaram a transformar a história do Brasil. Nos últimos 10 anos, a caderneta alimentou aquisições e construções, tornando-se o principal funding (fundo) de financiamento imobiliário.
Os principais motivos do fascínio pela caderneta na última década foram o seu estímulo consumidor que fixava uma taxa de juros máxima de 12% ao ano nos contratos regidos pelo SFH, e uma política macroeconômica de incentivo de redução da taxa SELIC, chegando ao mínimo histórico de 7,25% ao ano em 2012, o que aumentou significamente os depósitos na poupança devido a sua rentabilidade diferenciada.
De janeiro de 2005 a julho de 2015, o saldo da poupança bateu record, subindo de R$ 158 bilhões para R$ 648 bilhões respectivamente: um aumento de 410% em 10 anos. Em suma, era um dinheiro barato para novos financiamento, de fácil acesso às instituições financeiras e rentável para clientes.
Com o caixa reforçado, o SFH atingiu números fantásticos para a década. De janeiro 2005 a julho 2015, os recursos da poupança financiaram 2.178.103 imóveis no Brasil, o que corresponde a um VGV total de R$ 376 bilhões.
Mas, por outro lado, o consumo excessivo e a de falta de uma política econômica levaram a poupança a uma escassez sem precedentes.
Nos os últimos 10 anos, mais de 75% dos contratos de financiamento imobiliário tiveram recursos provenientes da caderneta de poupança. Um percentual expressivo para apenas uma fonte específica.
Além disso, o aumento gradual da taxa SELIC, bem como sua manutenção em 14,25% acentuou a saída de recursos da Poupança. Em 2015, a caderneta se destacou no mercado como um dos piores investimentos do ano. Ao passo que fundos de renda fixa já alcançam uma rentabilidade mensal em torno de 1% ao mês, a poupança limitou-se a uma rentabilidade anual de 6,17% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR).
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3) Bolha dos distratos
Analisando o negócio imobiliário, a venda de imóveis na planta é uma realização puramente tupiniquim. Outros mercados podem até oferecer tal modalidade, porém em número muito restrito. No mundo, é comum o incorporador obter o financiamento de todo o dinheiro necessário para se construir um empreendimento, e somente após sua conclusão, efetuar a venda de suas unidades autônomas. No Brasil, inventamos um modelo próprio. A moda brasileira, vendemos unidades na planta, e os compradores tornam-se co-investidores da empreitada junto aos bancos e ainda pagam um percentual pequeno da obra durante a sua construção.
Na visão da última década, o “investidor” tornou-se um comprador de unidade(s) com um único fim: a especulação imobiliária. A operação de compra visava não apenas o lucro do ramo, mas, sobretudo aos das flutuações de preço dos imóveis. Esse “investidor” adquiria o imóvel sem qualquer conhecimento do ramo. Movido por uma forma de pagamento fácil e convidativa, em consequência da pequena poupança durante o período de obra (em torno de 20% a 30% do valor do imóvel), o “investidor” adquiria diversos imóveis em pouco espaço de tempo. Era uma figura cativa em imobiliárias e em contratos de promessa de compra e venda.
Todos ganhavam! Para corretores e imobiliárias, o resultado foi instantâneo e positivo em curto prazo, uma vez que a venda era realizada e a comissão recebida integralmente pelas partes. Para algumas incorporadoras, essas vendas podres significaram uma gordura em seus balanços, visto que as unidades eram apontadas como vendidas para os seus acionistas. Entretanto, o resultado foi desastroso para o setor.
Com o passar do tempo, os problemas se aprofundaram. A operação perfeita de uma incorporação, que seria o repasse de todos os clientes que optaram em financiar o saldo devedor às instituições financeiras, ruiu.
O problema é que, após o distrato, o empréstimo tomado junto ao banco continua em nome do incorporador. Logo, se o comprador desiste da compra antes do repasse ao banco, o incorporador assume integralmente o valor que fora absorvido junto à instituição financeira para a construção da fração daquela unidade. O incorporador fica altamente imobilizado e devendo ao banco. Imaginem isso aos milhares. Imaginem distratos beirando 60% a 80% de um empreendimento. É o que acontece atualmente.
Infelizmente, em poucos meses, veremos o resultado. Será um acontecimento vultuoso, humilhante e ridículo que ficará marcado para sempre em nossa história empresarial: a quebra de centenas de incorporadoras. Diferente das antigas bolhas que afetaram diretamente àqueles que nela investiram, a presente bolha extinguirá um período de especulação desenfreada e sem lógica com a falências de muitos incorporadores.
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4) Preço do aluguel em queda livre
Taxa de juros altas, financiamento restritivo e uma gigantesca crise de confiança na economia contribuem para uma mudança de paradigma de investimentos. Resultado: investimentos mais moderados, de curto prazo e sem risco.
Em épocas como essas, busca-se o aluguel como solução para a carência habitacional. Era de se esperar pelo aumento do valor da locação [lei oferta e demanda], porém a situação atual é tão incerta que todos os preços estão sendo reajustados para baixo. Os alugueis não acompanham mais o reajuste anual pelo tradicional IGP-M. A negociação está sendo realizada de forma aberta e franca entre locadores e locatários. Se o preço está condizente com situação econômica atual, o locatário fica no imóvel, caso contrário busca por outro rapidamente no extenso cardápio de ofertas.
Analisando a restrição creditícia atual, comparando os rendimentos oferecidos pelo mercado em virtude do reajuste da taxa SELIC, e perspectivas quanto a situação econômica do país, afirmo que entramos na era da locação.
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5) FGTS Pró-Cotista mal formulado e próximo ao esgotamento
Há 1 ano, o FGTS Pró-Cotista tornou-se a “menina dos olhos de ouro” dos financiamentos imobiliários. Atraídos por juros baixos, destacou-se rapidamente num mercado volátil e escasso de recursos (funding). Mesmo após a liberação de R$ 9,5 bilhões para 2016, o dobro da verba de 2015, afirmo categoricamente que o FGTS Pró-Cotista não é a solução.
O primeiro motivo é o controle do Conselho Curador. Todas as verbas provenientes do FGTS demandam a aprovação do Conselho, seja qual for o fim. Os investimentos do FGTS não são integralmente destinados ao financiamento imobiliário. É um órgão político que pode regular a remessa de verbas para obras de infraestrutura, saneamento e, por fim, o mercado imobiliário.
A destinação desigual dos recursos também chama a atenção. Se compararmos a remessa de recursos com a população de cada região, chegaremos a seguinte classificação para a destinação de recursos por habitantes:
Primeiro – Região Centro-Oeste – R$ 111,77/habitante.
Segundo – Região Norte – R$ 78,48/habitante.
Terceiro – Região Nordeste – R$ 43,08/habitante.
Quarto – Região Sudeste – R$ 36,55/habitante.
Quinto – Região Sul – R$ 34,74/habitante.
A necessidade de financiamento é nacional. O déficit habitacional brasileiro acontece em todas as regiões, independente de riqueza ou localização geográfica. Além disso, os recursos do FGTS são provenientes dos trabalhadores. Os empregados estão financiando o mercado atual, e de fato, 80% da massa de trabalhadores encontra-se nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul. Causa-me espécie um destinação de recursos altamente desproporcional e desigual como vimos acima.
O último item é o “salve-se quem puder”. Como os recursos são divididos por regiões, categorias, novos e usados, de fato, alguns se extinguirão muito antes do que outros. Vamos analisar os imóveis usados até R$ 500 mil na região Sudeste. Para esta categoria, o Pró-Cotista, destinou apenas R$ 455 milhões para financiamento, ou aproximadamente 1.420 contratos. Se houver o consumo total destes recursos, a região Sudeste não poderá mais usá-lo, e o sistema de simulação automaticamente travará. Sinceramente, R$ 455 milhões para Rio de janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, não é nada!
E o montante já começou a secar! A Caixa não confirma, mas diversas simulações não apontam mais o FGTS Pró-Cotista como linha de financiamento. E assim seguirá nos próximos meses. Categoria após categoria, região após região, secando no mercado de financiamentos. Infelizmente não temos acesso às informações da Caixa. Atualmente, sem os dados cruciais não conseguimos saber se a categoria e região está próxima do fim, ou ainda está abastada.
Finalmente, para você que quer usar o FGTS Pró-Cotista, reze bastante, acenda uma vela, e torça para que a sua categoria e região ainda estejam ativas. Aliás, esse sistema não passa de uma roleta de cassino: ninguém sabe o resultado final.
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6) O esgotamento do Minha Casa Minha Vida
Nos últimos anos, houve um consumo desmedido dos recursos da poupança até a sua exaustão. Após o seu término, redescobrimos o FGTS, que além de pertencer ao trabalhador, pode legalmente financiar obras de infraestrutura, programas sociais e financiamentos imobiliários.
Segundo o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, o Minha Casa Minha Vida 3 prevê investimentos de R$ 210,6 bilhões ao longo de 3 anos. Desse montante, R$ 41,2 bilhões virão do Tesouro Nacional, R$ 39,7 bilhões de subsídios do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e os R$ 129,7 bilhões restantes virão de financiamentos realizados por meio do FGTS.
Na presente data, faço a seguinte pergunta: “E quando o FGTS chegar ao seu limite? O que faremos?” Infelizmente, ninguém pensa nisso. Nos últimos anos, o consumo do FGTS como financiador de programas Federais cresceu exponencialmente. E agora, o usamos também em larga escala nos financiamento do FGTS Pró-Cotista. É hora de pararmos e pensarmos em nosso futuro, caso contrário o mercado imobiliário, que já anda estagnado, pode parar de vez em pouco tempo.
O MCMV se encaminha para um lado sombrio e de esquecimento. O Governo corre para inaugurar o que pode. Notem que qualquer inauguração do programa conta com a presença da presidenta e ministros. Parece uma corrida midiática com o seguinte mote: “corra, antes que acabe”. Em minha opinião, e apesar do lançamento de hoje, o MCMV 3 não passará de um programa sem brilho e sem cor. E sinceramente, duvido muito que ultrapasse 500 mil unidades construídas.
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Item especial – Crise de confiança na economia brasileira
Não adianta buscarmos uma saída para os problemas acima se não tivermos uma solução político-econômica para o nosso país.
O medo de comprar do consumidor é, naturalmente, um dos entraves ao andamento do mercado. Por trás desse receio de investir, existe a cautela frente ao cenário econômico, com a instabilidade econômica, emprego e renda. Se não houver uma alteração drásticas nos modelos de condução do País, continuaremos travados em problemas, sem a possibilidade de atuação ou reversão.